sábado, 22 de setembro de 2007

Canção para ler


Canção

para Maysa

Você sabe que não pode mais e mesmo assim ainda insiste: querer o meu amor definitivamente não é mais possível. Isso assim direto te assusta? Não vê que de repente respirar precisa disso? De eu ir embora sem esperança, sem música. Por que me toma na sua boca de novo, pego você me arrastando nas suas fantasias de salão? Quero dizer pra você, com um sorriso de escândalo, o fato de não te amar mais, por que tanto silêncio sobre isso, é cruel ser assim tão só? Não é também cruel me prender no vão dos seus versos? Na calada da sua noite? Nosso amor morreu, não vê que tudo o que você reclama tem um ar de funeral? Matamos um amor sem sangue, sem crime, sem notícia. Vamos enterrar o corpo que começa a feder na sala-de-estar. Logo você que ama tanto a tristeza, não é banal que a tenha escolhido em vez da lembrança? Porque você sabe me decalcar na sua desesperança, no seu desamor e na noite sem luar, no samba-canção, na dose de uísque, no desastre, quanta responsabilidade isso me dá no lugar de tanto amor que eu queria. Você me subtraiu de mim mesmo, só quem se consome assim no profundo abismo de si faz morrer o outro. É isso mesmo: você me morreu. Você me aniquila, você me deixa de pele enrugada como bebê saído da placenta, um feto roxo. Você que é tão feliz na sua desgraçada e épica sorte. Você me assusta. Você me comove. Você precisa se livrar de mim: esta segunda pessoa das suas canções. Com o quanto agora você me pinta faz respingar tinta nas calçadas quando nos encontramos num acaso. Eu posso sentir você tremendo, por favor, que drama indecente esse da sua ruína, sua amargura sem sentido, seus vícios confessados. Não quero sua culpa, eu fui embora. Pra você, eu quero deixar o meu maior presente: um corte na vida, um corte bem fundo com o qual se faz melhor a nossa cara diante do mundo. Sim, estou dizendo que não te amo mais. Não posso ser bom e não sou perverso. Você, não espere. Você, corte o cabelo. Tire umas fotografias amanhã. Que céu tão azul sem piedade. Fale mais alto. Fale pra fora e olhe firme nos olhos dos outros, não dissimule pra se olhar enquanto finge olhar para os outros, pra mim, pra Deus. Enfim, me deixe. Eu não te amo como você me ama, eu nem te amo.

Escreva no reverso do verso, no avesso que atravessa o verso, rasure o papel nestas vezes necessárias, apague e desenhe em cima dos traços, dos laços que unem nossos nomes, retome seus velhos papéis sem mim, arrume a ausência das gavetas, agradeça no fim, ou grite da janela a vida que há sem espera, o quanto você me abstraiu pra poder amar só uma ausência em agonia que é afinal seu grande tema pra um drama lírico agora tão seu, esses olhos inchados de chorar pra dentro do peito, não são de choro afogado de cantor de cabaré? Eu devia pensar que ao menos você faria um poema, um samba talvez, você me deixando viver, eu te deixando pensar, interrogando-me se assim você aprenderia que a saudade não é rima pra alegria.


Marcelo Santos.

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Canção dentro do ouvido

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