quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Entrelinhas

Entrelinhas

Onde nada está escrito

Inscreve-se

Um selo.

Cicatriz

neon sob a pele

 

Entrelinhas

inscrições antigas

como rio

subcutâneo

de impossíves

margens

 

 

Entrelinhas

A tatuagem

Sutura

Dois lados

de uma

só ferida.

 

 

Entrelinhas

Conversa infinita

Jogo de dois

Vazio de duas

Vozes de duas

ausências

 

Entrelinhas

Cortes na pele

Falas entrecortadas

Pequenas incisões

Exorcizam

O medo

 

 

Entrelinhas

Como lábios

Comissuras

Cicatrizes pequeníssimas

Calos nos dedos

de um pianista

 

 

Entrelinhas

Inscrições

criptografadas

Riscos

Traços como traças...

Murmúrios, mínimos, mimos

 

Entrelinhas

Notas conversas

Abafadas

Palavras deletadas

Linha d´água

O resto que ficou

Nas fendas entre as linhas.

 

Entrelinhas

Lugar da memória

do prenúncio do

precipício do

perdido...


Ana Chiara


Entrelinhas dentro do ouvido

domingo, 6 de janeiro de 2008

Waltz

Do gosto não, da boca, da voz estirada. A garra firme, o corte, o vinco. Da treva sim, à larga. Virado e revirado, corpo estrangeiro. Sem forro, sem fora, a nu, posto. De lado a lado, espanto. De olho a olho, pasmo. Nume e vaga assombrosa, esfumaçada, risco do fósforo, fogo na madeira, lenha adiante. Morrer não morre, avança. Dança e corre, vira à toa. Barulho é solto, pois, acima da cabeça. Enxame, mosquitos, zumbido, só um escuro. Galho quebrado e nó do vento. Não vê a lagarta vermelha, queimado o veneno no antes, desvira em pisca-pisca de fisgada. Convulsão, saída no lugar de entrada, pensar pros lados e de revés, revelias. Sins. Ao contrário, de abismo no meio do nome das coisas religiosamente, e o devagar nosso quebrado, suspiração. Ponteiro, sono dos olhos, vazio nos dedos, o céu lá fora. Pensa: o espelho da flor é amarelo e azul, o espelho da flor é rosa e salgado, é luminoso pra dentro, é arabesco de cabelo selvagem, novelo antigo. Gira: você, terra sob o sol, canta o pássaro de corta-estrelas, rápido. Você torna e retorna, saúde de idéias. Pio coxo da coruja, olho fosco: Mito. Trinado em dobradura do canário, ouvido úmido. Você de dentro dos braços, valsa nas folhagens, desdobra, contorno e farol: Emblema. O nada são, a lagoa tonta, a planta brava, o nenhum: Espera funda. Vozes. Valsa, roda, ele disse, roda, carro de boi, ele disse, mugido lento é prenúncio. Mais a profecia, quente. Vi a ausência, é carvão. Corre? Passa?, eu disse, Como eu dizia?, vale o dorso imenso da pedra, cara de elefante, peso morto. Quando é carcaça, no inverno, pele seca, enquanto. Signo, desvenda e costura, traçado e alinhavo, barra da roupa. Dança e desenho, alcançado das horas, avançado da idade, honra sem pátria, pé sem ímã, oco sem vazio. Nossos. O cheio de silêncio de histórias, lábio de sorriso, exala, solta ar, respira, eu sonhei, você disse. Perna dobrada, destino que não perdoa. Assombra e uiva. É do ontem, acontecido, riscado a giz. Ouro gasto ou tanta faísca, marca-se, não é fazer. É nojo. É nata podre, o você disse, eu bem sei, o vôo sediço ou nem sei. Do pensar sim, o lado de lá. Transversal, infante. Bastão de Hórus, guia da madrugada, arado. Poeira das quatro horas assentada nas várzeas. Charada, xadrez de vezes, vez. Ontem, agora e de dia. Hoje, amanhã e de noite. Motivo, recolho, febre. A ciranda das mãos, fala em tropeço de borbotões, não sussurra, morde a língua? Não escuta, volta de estampido. Cai na palavra foi, na palavra é, na palavra depois, na palavra dois. Curva, torta, deitada e crua. Gosma. Guizo. De raro em raro, de tempo em tempo, de vão a vão. De além, de longe e de preto. De lá de baixo. Pés fora do chão. Atenta, alerta, ouve. Silêncio, fantasma de música. Dá tua mão, valsa, roda e gira, cicio de lusco-fusco, brasa apanhada nas horas. Casca. Mudez ampla, glória de mármore. Sopro. Musgo nas rochas, descida dos deuses, chuva de lembranças, metade não. Sem nomear. Tintura antiga, dentes e pelos afiados de séculos, o nome é tempo. Seqüência. Itinerário. Mapa. Pontos cardeais à vista, margem. Rosa-dos-ventos, rodopio e tempestade, cair não, boiar na superfície dos plânctons, ócio. Saber, dínamo aplicado. Caminho cravado na cabeça. Igual cão. Não sentido, focinho. Códigos. Se diz das gentes, o seco e medido. Se diz dos dias, assombro e sexo, torpeza. Mas o inaudível não, concha. Nas costas da mão, vê? Te dei no frio, não meu, é dom. Toma e respira, sonha. Dança, à frente as bandeiras, minaretes. Paramento branco, máscara de ouro, cavaleiro e brasão, heráldica. Passagens. Pontes e edifícios. Começos. Do novo não, de novo, compasso e áspero das notas. Ruído afogado. Sons. A palavra ainda:

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Waltz dentro do ouvido

Escritos de Lao-Tsé

sob o céu
conhecer-se o que faz o belo belo            eis o feio!
conhecer-se o que faz o bom bom              eis o não bom!
 
 
 
portanto
o imanifesto e o manifesto         consurgem
o fácil e o difícil                confluem
o longo e o curto                  condizem
o alto e o baixo                   convergem
o som e a voz                      concordam
o anverso e o reverso              coincidem
 
 
 
por isso
 
o homem sábio                          cumpre os atos sem atuar
                                      pratica a doutrina sem falar
 
as dez mil coisas                        operam sem serem impedidas
                                     nascem sem serem possuídas
                                         atuam sem serem dominadas
 
 
 
concluída a obra                        ele não se atém
e só por não se ater        ela não se esvai

o céu e a terra são sem amor-humano
consideram as dez-mil-coisas cães-de-palha
 
 
 
 
o homem santo é sem amor-humano
considera as dez-mil-coisas cães-de-palha
 
 
 
 
o vão entre o céu e a terra...
como se parece a um fole!
 
 
 
 
mas esvazia-se sem se contrair
move-se e ainda extravasa!
 
 
muitas palavras e números o limitam
melhor guardá-lo no íntimo

 
 
A massa efusiva e mais efusiva
como no gozo de um festim sacro
como nos altos a sagrar a primavera
 
só eu ancorado! nesse ainda sem auspícios...
como recém-nascido antes de se acriançar
marionete! sem para onde retornar
 
a massa tem o supérfluo
só eu sem quê nem para quê
eu... que coração de idiota
oh! confuso e mais confuso
 
a gente brilha que brilha
só eu ofuscado e aparvalhado
 
a gente vibra que vibra
só eu melancólico e mais melancólico
plácido! tal qual o mar
ao vento! como sem lugar
 
a massa tem com quê
só eu obstinado e tosco
 
mas só eu diferente dos outros
dignificando a mãe nutriente

falar diluído é o natural
 
 
 
 
 
portanto
 
um vendaval não dura uma manhã
um temporal não dura um dia
 
 
quem os fomenta ?
céu e terra
 
céu e terra...  sua fúria não dura
quanto mais a intempérie humana!
 
 
portanto
quem segue o curso                               une-se ao curso
quem segue a virtude                 une-se à virtude
quem segue a perdição               une-se à perdição
 
quem se une ao curso                este o acolhe com alegria
quem se une à virtude                esta o acolhe com alegria
quem se une à perdição                esta o acolhe com alegria
 
 
pouca fé não merece fé



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Escritos de Lao-Tsé dentro do ouvido

sábado, 8 de dezembro de 2007

Trechos da epístola do apóstolo Paulo aos coríntios

Vede, irmãos, o vosso grupo de eleitos: não há entre vós muitos sábios, humanamente falando, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. O que é estulto no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; e o que é fraco no mundo, Deus o escolheu para confundir os fortes; e o que é vil e desprezível no mundo, Deus o escolheu, como também aquelas coisas que nada são, para destruir as que são. Assim, nenhuma criatura se vangloriará diante de Deus.

Ninguém se engane a si mesmo. Se alguém dentre vós se julga sábio à maneira deste mundo, faça-se louco para tornar-se sábio, porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus.

Nas corridas de um estádio, todos correm, mas bem sabeis que um só recebe o prêmio. Correi, pois, de tal maneira que o consigais. Todos os atletas se impõem a si muitas privações; e o fazem para alcançar uma coroa corruptível. Nós o fazemos por uma coroa incorruptível. Assim, eu corro, mas não sem rumo certo. Dou golpes, mas não no ar. Ao contrário, castigo o meu corpo e o mantenho em servidão, de medo de vir eu mesmo a ser excluído depois de eu ter pregado aos outros.

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver amor, não sou nada. Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, de nada valeria! O amor é paciente, o amor é bondoso. Não tem inveja. O amor não é orgulhoso. Não é arrogante. Nem escandaloso. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acabará. As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da ciência findará. A nossa ciência é parcial, a nossa profecia é imperfeita. Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá. Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Desde que me tornei homem, eliminei as coisas de criança. Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido. Por ora subsistem a fé, a esperança e a amor – as três. Porém, a maior delas é o amor. Empenhai-vos em procurar o amor. Aspirai igualmente aos dons espirituais, mas sobretudo ao de profecia. Aquele que fala em línguas não fala aos homens, senão a Deus: ninguém o entende, pois fala coisas misteriosas, sob a ação do Espírito. Aquele, porém, que profetiza fala aos homens, para edificá-los, exortá-los e consolá-los.


Para ter a epístola de São Paulo

Epístola de São Paulo aos coríntios dentro do ouvido


terça-feira, 23 de outubro de 2007

Capítulo VI – Livro das Entidades – Opera omnia – Paracelso

Essas reflexões têm como objetivo fazer com que compreendam com maior clareza as nossas proposições e ensinamentos. Devem então admitir a entidade astral como aquela coisa indefinida e invisível que mantém e conserva nossa vida, assim como a de todas as coisas no universo dotadas de sentimento e que provêm (profluit) dos astros.

Explicaremos isso com um exemplo: o fogo precisa de um combustível para arder, como a madeira, sem a qual ele não existiria. Considerem então que o fogo é a vida e que igualmente precisa de alguma madeira para existir. E lembrem-se disto, por mais grosseiro que seja o exemplo, porque acho que será suficiente e muito bom: o corpo é a madeira e a vida é o fogo. Por assim dizer, a vida “vive” do corpo.

Em compensação é preciso que o corpo tenha algo que impeça sua consumação pela vida e que o faça perdurar (perduret) em sua própria substância. Este “algo” de que estamos falando é o mesmo que emana dos astros ou do firmamento: justamente a entidade astral.

Dirão com muita verdade que se não existisse o ar todas as coisas cairiam no chão e que morreriam por asfixia todas as que tivessem vida própria. Devo dizer sobre isso que ainda existe algo que sustenta o corpo e que o mesmo corpo alimenta, que se acabasse seria tão insuportável como a perda do ar.

Este “princípio”, que faz viver o firmamento, que conserva e acalenta o ar e sem o qual se dissolveria a atmosfera e morreriam os astros, chamamos de M.

Com efeito, nada existe de mais importante e mais digno para ser levado em consideração pelo médico. Por outro lado, este “princípio” não está no firmamento, nem emana dos corpos celestes, nem é projetado por eles até nós – pobres mortais! – sendo muito mais importante que tudo isso junto.

Seja como for, tenham como certo que este princípio conserva todas as criaturas do céu e da terra, vivendo nele e dele todos os elementos; e aceitem tudo o que acabo de dizer como sendo uma opinião justa e que podem incluir em tudo o que diz respeito ao primeiro ser da criação, e a tudo que explicamos sobre M nesta dissertação.

Paracelso para ter: DOWNLOAD

Paracelso dentro do ouvido

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Das águas para ler

Das águas

E aí, neguinho, sabes que entre minhas pernas corre um rio? Que por ele passam as borboletas azuis? Pensa com o coração... lembra a lembrança mais doce... aquela dos açúcares, da doçura máxima até o arrepio e enjôo do estômago. Lembra disso, neguinho? Lembra como circulava na veia? Maçãs banhadas no mel...

E aí, neguinho, pensa que não te vi lavando as mãos durante longos minutos, tentavas apagar meu cheiro... o cheiro das águas que correm? Das águas doces, dos rios e das cachoeiras? Viste onde foi parar aquela peixinha cor de rosa, a noiva? Como despencou de ponta cabeça no chão de um largo vazio no maracanã?

Que tu sabes das águas, do que molha? Da força de uma onda se levantando até te cobrir todo? E depois como te enrola, te dá um caldo, te arranha no fundo? E quando a onda se recolhe, neguinho, te deixando afogado? Que tu sabes das águas doces do rio que corre entre minhas pernas? Dos redemoinhos escuros, das pedras escondidas no fundo barrento? Que sabes? Das uiaras? Das iaras? Tu sabes...?

Que sabes da água de uma melancia aberta? Do sorriso do gato de Alice...do líquido doce que escorre nas mãos quando mordes a fruta? Que sabes deste vermelho adocicado? Destas sementes que cospes, jogas fora, sem poder engolir, as sementes com as quais te engasgas, sufocas? Que sabes da fruta quando empurras o prato, farto... sem suspeitar da sede escondida no secreto do teu peito... Sabes destas coisas todas?

Sabes do rio de água ardente que escorre entre minhas penas? O rio que tem embebe? Embebeda? A taça transparente em que passas a língua vermelha como pimenta dedo de moça? O álcool que te arrasta para paraísos artificiais, te deixa mole e pasmo diante do mundo de oferendas impossíveis?

Lembras disso, neguinho? Um bar, um espaço flutuante sobre um mar azul e verde... as montanhas dois irmãos iluminadas artificialmente? Tu te enrolas nas pernas trêbadas? Tropeças nas palavras estrangeiras como piercings doloridos? Nada é fácil, nada vem de graça... nos oceanos banhados da américa do sul, tudo engana e restam as restingas no coração do poeta, pedaços calcáreos onde quer se agarrar... as restingas de marambaia? As lagoas rodrigo de freitas como um olho de gigante te chamando, foge delas, Doçura, arrepia caminho, bate em retirada. Bate com força na madeira, mangalô três vezes...

Conheceste a terceira margem deste rio? Foste até ela? Chegaste lá? Ofegante ainda? Ou morreste – como se diz – na praia deste rio... antes do antes do depois do antes do depois da margem que circula, perdeste tua alma nesta hidrografia enlouquecida do desejo ambidestro, ambivalente, desejo instável, desejo de anjo inocente, desejo sem sexo, desejo de poda e desejo de foda. Corda com que me quiseste enforcar como polvo....

Jura, neguinho, que o letreiro colorido era inocência bandida? Uma alucinação no deserto, oásis, mina d´água pro viajante, paradinha pra descanso?

Alivia teu rosto afogueado espargindo gotinhas bentas dessa água, aproveita o dia, o que vem na corredeira do rio que corre entre minhas pernas. Aguarda. Guarda-te de mim, mas não agora, ainda não... Olhas de frente para este cartão postal. O endereço está correto? Houve greve nos correios.

Sorri pra mim mais uma vez, Doçura? Vamos nadar nas águas do rio? Depois vamos embora mais uma vez. Passos atrás... pé ante pé o vulto se esconde na soleira da porta antes de apagar a luz...


Ana Chiara

Das águas para ter: DOWNLOAD

Das águas dentro do ouvido

Fogo para ler

Fogo

Como será, pois, se ardiam fogueiras no tempo em que uma chama uma esfera incandescente te encontrou criança vinda de um céu de tarde fosco queimou teu ventre e adquiriste essa marca aí ó, marca de fogo na carne tenra, o que é que se marca assim sem explicação que não você, chama acesa? escuta escuta o queimar das folhas secas, o cheiro de enxofre, o próprio inferno, isso de tudo se incendiar no meio do mundo no meio da noite, lúcifer enchendo de gasolina a terra, só viste os frutos vermelhos que pintavam a grama verdinha do terreno à frente a visão dos pontos vermelhos pegando no teu ventre queimando por dentro e por fora, mãe, vou chorar porque arde muito tua lágrima, cai rio abaixo, cai, e a água leva embora o choro, o sol ainda lá em cima, lembraste dos frutos vermelhinhos, pontinhos rubros no chão verde dos meninos dali? o preto Sorriso vindo expulsá-los do encantado paraíso, a lembrança está te queimando assim a marca no teu corpo volta a acender o tempo de novo de novo, não queres morrer amanhã feito James Dean de jaqueta vermelha queres virar semente na boca dos teus filhos, “usarão meu gorrinho vermelho de criança, pai”?, tu sussurras. Vovó que disse com o cachimbo fumegando dependurado do beiço educado a fumaça soprando as palavras “teu destino é de rio, criança, doce e calmo, passa sempre e não pára, Oxalá, nosso pai, te guie”, ele está indo, vó, mas corre na beira uma queimação das matas que não pode apagar, as labaredas altas lambendo os cabelos dos amores que ele gerou pra se consumir nas paredes do quarto, as salamandras listradas subindo pelas paredes, o amor que ele aprendeu é venenoso e quente, mais um pouco quer dar? Língua na língua o calor nas orelhas no pescoço o peito sem calma nenhuma mais, trovão e relâmpago quer adivinhar? Conta um dois e três até ouvir o estrondo aí vai saber da força do martelo de Deus-pai batendo contra as pedras. E São Pedro vai fazer chuva enfim pra acabar com o fogo do mundo? Os morcegos só vêm à noite deixaste a luz acesa não tenhas medo não vais ter medo olha para a luz vermelha te abrigando dos terrores noturnos, adormeces em vermelho, que sonhos fumegantes não teriam te envolvido te aquecido de luz pra despertar na brasa que te esquenta as têmporas dando a dor pesada e latejante, da cabeça ao dorso, como se levasses na costa a carranca negra de um boi morto no sertão cavalo da morte o quinto cavaleiro se chama fogo lambe seus chicotes sobre a cratera aberta teu olho vivo já não vê mais nada cego de luz o sol faz barulhos quando se choca nas calçadas infames do Rio de Janeiro, vê as ondas de calor ao fundo filtrando os meninos e as meninas que crescem a esmo tendo por testemunha o sol ou o deus-dará? serpente de fogo chinesa, que número sagrado lhe enunciaste com a tua língua bifurcada? um número forjado pelo deus coxo que se marcou a fogo na tua testa ainda pagã? Sente o cheiro de carne queimada, sente o fedor dessa carne queimada pela bomba? Sente a lava sobre Pompéia? Os fogos do terror sobre a Grécia? O cano da pistola fumegando ainda quente, o sangue ainda quente, o vermelho no asfalto ainda quente? Cupido fechou os olhos, que flecha ardente pode contra o fogo atiçado nas costas da beleza? Queima-lhe as pálpebras, os cachinhos louros, desmancha-lhe a pele clara, viu como é brincar com fogo? algum gás te subiu até as narinas, ficas tonto nos teus junhos de fumaça e frio cor de chumbo, deixas apenas a fogueira que arde subir e estalar chamando as estrelas, teu elemento ar acompanha e alimenta a vitoriosa combustão.

Fogo para ter: DOWNLOAD

Fogo dentro do ouvido